Somos todos soldados e como soldados vivemos. Estamos numa guerra, somos recrutados de todas as partes do Brasil para estarmos nessa luta, lutar contra o mundo, contra o universo acadêmico, contra as crises existenciais, as malditas provas incompreensíveis. Não temos pais, não faz sentido, não dão à mínima.
Aprendemos a cozinhar, a nos cuidar, a sobreviver, tudo por conta de um sonho, do sonho de emersão, de uma “segunda chance”, uma terceira para muitos de nós. Alguns vieram de famílias complicadas, alguns cansaram de sua vida monótona, alguns só queriam um diploma, outros são a única aposta de toda uma família. E nessa guerrilha não podemos deixar nossos irmão caírem, não podemos deixar afundarem, somos uma linha de fuzileiros, braços dados soldado! Se um cair, todos cairemos.
Você tem que ser frio, tem que aprender a amar aquele que dorme na cama acima, ou na cama ao lado, pois apenas este sabes da sua rotina, de onde você foi e talvez pra onde você vai. Sua véia muitas vezes será a sua única família, seu único ouvinte, seu unico irmão. Temos de nos organizar, nos unir, somos filhos de nós mesmos, resolvemos os nossos problemas e compartilhamos os problemas dos outros, você deve aprender a sentir dor. Fracos não estão aqui, não tiveram sua vez, se não é esperto... é melhor ser forte. Com o fuzil da coragem confrontamos todas as adversidades impostas, caneta e papel nem sempre são suficientes, às vezes querem nossas lágrimas, nossa paciência ou um pouco de sangue. A farda que nos cobre é a marca da vivência, da luta, quando essa guerra chegar ao fim a sua realidade vai mudar, quando você voltar pra casa você sentirá como perdeu muito de você, como aprendeu para o bem ou para o mal, como parte de você foi pelo ralo do chuveiro do seu andar.
O seu professor não é o seu amigo, as pessoas na sua sala não fazem parte da sua turma, mas você sempre tem a CELU, e por mais diferente que você seja, por mais polarizado que sejamos, não te negarei minha mão no “Pai Nosso com almoço”. Mesmo com todas as nossas discordâncias, o mais sensato é rir um pouco no café da manhã de sábado, compartilhar do peso do chicote que a vida bate, e ela baterá em nós da mesma forma, somos uma categoria, pois o “C” circundado que tatua o meu peito, também tatua o seu, somos celuenses até isso terminar e além. Não devemos deixar que as intrigas internas enfraqueçam o laço que nos une, pois todos estão aqui por falta de grana e de condição, e ainda que alguns achem divertido tudo isso, que outros queiram moleza, os que fazem isso acontecer sabem o peso da responsabilidade, o custo de cada segundo gasto em prol do restante; restante que talvez nem ligue pro tempo consumido, mas o altruísmo de muitos transcende. Um dia um sábio me disse que criar uma minoria dentro de outra minoria era tolice, tenho refletido sobre.
Quando essa guerra terminar, quando essa etapa da vida estiver concluída, você estará no hall de entrada com as suas malas e garanto-lhe que por mais que você deseje partir, por mais que você deseje iniciar a nova jornada em sua vida, será impossível não relembrar a primeira vez que esteve nesse lugar, os motivos que o trouxeram, as pessoas que admirou e odiou, as que ensinaram-lhe e que com você aprenderam, sua primeira e sua última banca de calouros, o seu “eu” que chegou e o seu “eu” que está indo. Nesse momento você fará uma viagem dentro de si mesmo e encontrará sentado na mesa do café da manhã uma figura, que reconhecerá como sendo você, poderá se questionar o quanto quiser de tudo, e será nesse momento que descobrirá se valeu a pena tudo o que passou. Independente da resposta, você sentirá saudade, o desejo de ter feito mais (por mais que você tenha feito tudo) invadirá seu coração e o entristecerá, esse é o ciclo natural, já vi os olhos de quem se despediu desse lugar, algo assustador, pois estavam envoltos num vazio imenso.
Hoje quero que você reflita sobre o tempo que ainda lhe resta aqui. E o tempo é injusto, só podemos economizá-lo, nunca adquiri-lo, serão sempre vinte e quatro horas! Use o que restou desse tempo para fortalecer os laços com as pessoas dentro deste local, para quando estiver no hall de entrada com as suas malas a espera de um táxi para leva-lo por sua nova jornada, quando questionar-se se valeu a pena ou não o tempo que passou aqui, quando encontrar a ti mesmo na mesa de café da manhã para responder suas questões, tenha a satisfação de uma luta completa. Tenho me visto em muitos aqui, naquilo que eu era e naquilo que serei, tenho tentado amar meus amigos celuenses como irmãos, mesmo que algumas vezes a minha tolice tenha feito-me confrontá-los. Sou grato aos amigos que tenho, aos irmãos que fiz, as pessoas que conheci, admito que sinto-me vazio todas as vezes que penso que só faltam três anos para isso terminar, estou insatisfeito desde já. São laços forjados na dificuldade, no campo de batalha, no medo, na coragem e na alegria, sempre fiéis, sempre homens.
Victor Hugô
Direito - UFPR